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A Emoção Audível das obras cinematográficas

  • Foto do escritor: Davi Furtado de Almeida
    Davi Furtado de Almeida
  • 28 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 6 de mai.

Trilhas sonoras são utilizadas para construir e ampliar os sentidos dos filmes compondo um novo universo comunicativo

Por Davi de Almeida


Se Claudinho e Buchecha, em seu sucesso “Fico assim sem você”, de 2002, tivessem citado o cinema e a trilha sonora como uma dupla tão inseparável como queijo e goiabada, não seria surpresa. Afinal, assim como o doce mineiro, o som e o vídeo em um filme se complementam para produzir o sentido da obra. Esses dois estímulos têm um relacionamento estável desde antes da sincronização entre as vozes dos atores com suas falas em cena e, mesmo após esse invento, é difícil imaginar um sem o outro na modernidade.

As trilhas sonoras dos filmes e as imagens eram gravadas em fitas distintas (Foto: Unsplash)
As trilhas sonoras dos filmes e as imagens eram gravadas em fitas distintas (Foto: Unsplash)

  Danilo Aguiar, compositor e produtor musical uberlandense e autor de trilhas sonoras para grandes produções brasileiras, como a série “Senna por Ayrton” do Globoplay, afirma que as trilhas sonoras são a “Emoção invisível de uma obra”. Um elemento indispensável e inesquecível que carrega consigo a possibilidade de aprofundar a trama desenvolvida pelo roteiro e também traduzida em imagem em um filme. De detalhe em detalhe sonoro, o que define e garante essa “emoção invisível”, isto é, qual tipo de som é uma trilha sonora, está ligado à concepção cinematográfica de cada artista. Nesse sentido, apesar de a principal premiação cinematográfica do mundo, o Oscar, subdividir a concepção de trilhas sonora em duas categorias, “Trilha Sonora Original”, a qual diz respeito à parte musicada das faixas de áudio de um filme, e “Melhor som”, aos efeitos sonoros de ambientação, diálogos e como esses são misturados à música, é possível entender as trilhas sonoras como um grande composto, não somente dessas categorias, mas como de tudo que é audível em um filme. Essa é a concepção do historiador e cineasta Roberto Camargos.


Para o também professor, essa dimensão da obra ajuda a “dar o tom” e “ditar o clima” das cenas. Nas palavras de Camargos, “as trilhas sonoras ajudam a compor o universo comunicativo que é essa realização cinematográfica”. Dessa maneira, quando juntos, imagem e som conseguem criar um sentido completamente novo do que quando estão separados, de modo que as escolhas de combinação entre essas facetas ditam o estilo cinematográfico de cada obra e o que se quer comunicar. Para Roberto, a trilha sonora tem o papel de “costurar” as narrativas e, mais do que isso, potencializá-las.


Para atingir esse objetivo, a composição dessas canções traça caminhos diversos de concepção. Danilo é atravessado por um processo quase sinestésico, partindo de roteiros, rascunhos de cena ou até mesmo de paletas de cores e emoções em seu processo criativo. Para além disso, ainda sim é possível realizar a trilha sonora antes da obra ser feita, assim como as vozes originais de um filme de animação, que são gravadas para que os animadores desenhem a partir da gravação feita, contudo, esse processo demanda tempo, o que nem sempre está disponível. Também, mesmo que o compositor entenda  que o cenário vem mudando, o processo criativo mais comum na indústria é o chamado “Spotting Session”, quando as canções são compostas com o filme já editado. 


De todo modo, o objetivo principal de toda trilha sonora é criar mais que uma música, mas uma espécie de canção-personagem, que engaje a narrativa e contribua para a exploração de emoções. Aguiar vai além em seu desejo: 
"Criar identidade e emoção. Quero que o público sinta a música como parte orgânica da história seja um tema que ecoe anos depois ou um clima sutil que ninguém ‘nota’, mas que eleva a cena". A sorte dos compositores é ter a música como aliada nessa produção emocional. Segundo a Sociedade Artística Brasileira (SABRA), a música tem a capacidade de ativar diferentes regiões do cérebro, induzindo, por exemplo, a produção de endorfina, um hormônio que incentiva o bem-estar.


A ativação emocional por meio das músicas e trilhas sonoras também está ligada diretamente a uma questão subjetiva. A psicóloga Mayara Viana explica que a música se conecta com cada um a partir de experiências individuais e, por isso, cada faixa de áudio toca o ouvinte de formas distintas. O processo de “toque” entre uma pessoa e uma canção ocorre, então, quando a segunda consegue “traduzir” um sentimento sentido pela primeira, de modo que algo, conforme a profissional, “se organize dentro do sujeito”. Para ela, que estudou a interface entre a psicologia e a música em sua graduação, o que se tem é uma espécie de “magia”, algo difícil de se explicar ou compreender que consegue atingir partes do ser humano que linguagens convencionais não acessam.  


É essa magia que é ativada nas produções cinematográficas, “conversando” com o espectador de maneira quase imperceptível e direcionando os sentimentos mais diversos como raiva, medo, tensão, alegria e tristeza. Tudo isso a partir de melodias e harmonias. Quando toda essa carga emotiva é associada às imagens, encontramos a dupla bem-sucedida e poderosa mencionada no início. Uma associação que consegue, antes de tudo, passar o sentimento que a obra deseja compartilhar.


Todos esses sentimentos, quando assimilados pelos indivíduos, criam obras memoráveis e indissociáveis. Trata-se de produções com trilhas sonoras originais como Star Wars (Lucasfilm, 1977), Indiana Jones (Lucasfilm, 1981), 007 (Eon Productions, 1962), Harry Potter (Warner Bros Entertainment, 2001), Cinema Paradiso ( Pool de produtoras europeias, 1988), O  Rei Leão (Walt Disney Feature Animation, 1994) ou obras mais recentes como Interestelar (Paramount Pictures, 2014), Barbie (Warner Bros Entertainment, 2023) e a atual vencedora do Oscar O Brutalista (Próton Cinema, 2024). Vale citar nomes de artistas como Alan Silvestri, Ennio Morricone, John Williams e Hans Zimmer, cruciais compositores para o gênero. Para além disso, o conhecimento prévio das canções presentes nas obras pode causar uma reação diferenciada oriunda dessa conexão anterior, como ocorre, por exemplo, no filme Nos Embalos de Sábado À Noite (Paramount Pictures, 1997), Shrek (Dreamworks, 2001), Ainda Estou Aqui (Pool de produtoras internacionais, 2024) ou Mamma Mia! (Playstone e Littlestar productions 2008), que utilizam canções da cultura pop em suas produções. 


As trilhas sonoras fazem mais do que sonhar por meio de notas musicais, elas plantam sonhos, inconscientemente, na memória de seres sensíveis como os humanos. Contam histórias em paralelo, fortificam outras já criadas, levam magia para as obras cinematográficas e para as vidas de quem assiste a elas. Afinal, o desejo de ter uma trilha sonora na vida real faz, por exemplo, com que casais definam aquela que representa o seu relacionamento ou que, constantemente, uma pessoa diga: “Essa música é a trilha sonora da minha vida!”.

No cinema ou na materialidade, é difícil imaginar a vida sem som e isso se reflete em um aprendizado que Roberto Camargos compartilha: “Um vídeo ótimo (...) com um áudio ruim, ninguém dá conta de assistir. Agora, um vídeo tosco e com baixa resolução, mas com um áudio bom, a pessoa consegue assistir do começo ao fim”. Afinal, até cinema mudo tem som.


 
 
 

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